PREFÁCIO
Veja a roupa de forma bastante complexa e encantadora. Assim como ela pode ter um aspecto passivo por nos receber aceitando o nosso cheiro, suor e forma como Stallybrass aponta em “O casaco de Marx: roupas, memórias e dor”, ela também tem o poder de nos transformar, sendo assim, totalmente ativa. Fico me perguntando se Peter Stallybruss não poderia representar exatamente esta forma mais passiva de ver e entender o vestuário, e Rosane Preciosa o seu oposto. Stalybruss se interessa pelas memóridas do passado, quem possuiu, quem tocou e acariciou a roupa gasta. Já Preciosa, procura que homem ou mulher pode vir a ser à partir da roupa que saiu do forno. E concordo com ela no questionamento de que se já não somos mais tantas coisas que já fomos um dia, por que não poderíamos vir a ser aquilo que ainda não fomos?
Aliás, esta relação que tento fazer me lembra bastante a discussão que Preciosa propõe entre Antropocentrismo e Narcisismo, como se os objetos (entre eles, a roupa) só pudessem existir à partir da ação do homem sobre os mesmos. E, em seguida, Preciosa nos encoraja a pensá-los como co-produtores, já que os tecidos e outros materiais que nos envelopam podem agir numa perspectiva homogeneizadora ou em busca da singularidade.
A autora ainda nos convida a escaparmos dos modelos que existem para facilitar a nossa vida, mas que também correm o risco de estagná-la por comodismo nosso, e ir em busca do solo movediço que nos espera. Inventar outros modos de se vestir, mas, sobretudo de viver.
PRIMEIRAS PALAVRAS
“A poesia sopra onde quer (Murilo Mendes).” E pode passar absolutamente despercebida se você estiver correndo unicamente atrás do espetacular (Rosane Preciosa)!
UM INÍCIO
A roupa pode atuar como uma extensão do nosso jeito de ser, ou nos imobilizar, travando o nosso movimento natural. Entendo que isto tem absolutamente tudo a ver com as pessoas que não se conhecem, investem em tendências sem nem mesmo se questionarem como se sentem no papel que estão tentando desempenhar. Não somos personagens, e não podemos parecer “fantasiados” diante da vida. Se descubra, e automaticamente, atraía e adquira só o que “lhe cair bem”, em todos os sentidos.
TURBULENTAS PAISAGENS
Preciosa nos apresenta o novo através da fantástica analogia da montanha-russa:
“a coisa se põe a subir num ritmo controlado, seguro, previsível” (1º fase)
“a precipitação súbita” (2º fase)
“síncope final e definitiva” (3º fase). Nos empurra sem cerimônia para frente e nos obriga a provar sucessivas desestabilizações.
A idéia de autoprodução contínua do mundo e de nós mesmos, tidos como muito mais do que um acontecimento biológico concluído tem absoluta relação com a visão que tenho do ser humano e que encontro na abordagem que escolhi para seguir: Centrada na Pessoa. Um homem que está em constante movimento, se atualizando e em busca do funcionamento pleno. A autora ainda complementa que de nada adiantaria nos refugiarmos numa identidade, como uma espécie de guarita, que nos isolasse do horror que sentimos diante das rupturas vivenciadas. Mas que, ainda assim, reagimos furiosamente diante do que não mais se parece conosco, medidas que tomamos apenas para nos proteger.
Isto tudo me faz pensar em todos os padrões que aceitamos sem questionar mesmo presenciando verdadeiro absurdos em prol disto. Como psicóloga de imagem, falo sim da ditadura da magreza que bombardeia toda mulher e que “castiga” de foma mais profunda as nossas modelos. Por que não inovar? E o mais controverso, inovar com nada menos do que a realidade, mulheres na passarela que fossem mulheres reais e não cabides de estilistas. Lembrando que Ronaldo Fraga revolucionou levando a passarela idosos e crianças em uma das edições do São Paulo Fashion Week.
Por fim, Preciosa faz uma avaliação histórica incrível do vestuário dizendo que “A roupa que já nos socorreu em meio as intempéries, já nos cobriu as “vergonhas”, descolou dessa funcionalidade básica e complexificou seu discurso: ela nos exibe como, de fato, nos constituímos ou de como desejaríamos nos constituir… O que exige que estejamos bastante atentos ao sentido das peles que iremos sobrepor às nossas” (págs.29 e 30).