De um extremo a outro aconteceu a história do parto na nossa sociedade. Antes compreendido como um evento natural, protagonizado por mulheres, de caráter intimo e repleto de significados culturais passou a ser medicalizado, parte de uma disciplina dominada pelo homem, onde a hospitalização é incentivada e a autonomia da mulher perde o seu espaço.
Os avanços na Medicina tornaram mais segura a cesárea. Porém, a mesma passou a ser feita em grande escala e não como recurso para salvar vidas.
A OMS preconiza a busca do caminho do meio… o equilíbrio entre avanços tecnológicos e a qualidade das relações humanas, resgatando a valorização da fisiologia do parto. De acordo com o estudo das representações sociais, o individuo e os grupos, se relacionam com o mundo à partir do conhecimento construído socialmente. Assim, o significado do parto normal e da cesárea para determinada cultura diz muito dos seus valores e experiências nestes cenários.
O parto normal, por exemplo, traz uma idéia de ambivalência entre as dificuldades do trabalho de parto que remetem a dor (antes mesmo de vivenciá-la) e as facilidades da recuperação (tidas como certeiras). E, nem sempre é assim. O senso comum ultrapassa a experiência individual causando confusão entre a dor esperada (e temida) e a dor de fato percebida.
Além disto, esta dor é muitas vezes enaltecida de significado, relacionando-a à capacidade de superação e ao maior vinculo mãe-bebê por terem “se ajudado” mutuamente no processo do parto. Como se “para ser mãe de verdade”, a mulher tivesse que ser capaz de sentir aquela dor específica.
Já a ambivalência da cesárea consiste na “falsa ausência de dor”, uma vez que o processo é tido como mais confortável e indolor, mas, a recuperação é vivenciada de forma exatamente oposta.
O estudo em questão deixa claro o quanto a busca por informações constrói um caminho de maior autonomia por parte da mulher na escolha embasada da via de parto (quando não há restrição médica real para a mesma).
Porém, assim como na Vida em geral, não há controle e certezas na Maternidade, imprevistos podem acontecer a todo momento, e um plano de parto precisa ser flexível, do idealizado ao possivel, para não gerar frustrações que podem culminar em prejuízos no vinculo mãe-bebê no pós-parto.
O grande impasse aqui é que nem todas as mulheres têm acesso a toda informação necessária sobre as vias de parto, etapas de cada uma, prós e contras de cada escolha, e ainda mais grave, muitas mulheres (munidas ou não de informação) não tem o direito de escolha preservado.
Infelizmente, apesar da OMS afirmar que deve existir uma razão válida para interferir no processo natural, muitos profissionais da saúde, por motivos pessoais e/ou para maior conforto e logística da equipe acabam por acelerar o processo do parto normal com comprimidos/soro que aceleram as contrações e induzam o trabalho de parto sem questionamento prévio, feito como algo rotineiro. Além, é claro, da tão frequente sugestão/indução da cesárea sem real necessidade.
Mais uma vez, o pré-natal psicológico mostra a sua importância, sendo um tempo/espaço para a gestante e familia repensarem ideias pré-concebidas, questionarem as dualidades e egos da maternidade, encontrarem acolhimento para as suas angústias, respostas para as suas dúvidas, acesso a informações sem viés e a certificação dos direitos que lhes cabe.
Texto feito para Unyleya, inspirado no artigo abaixo:VELHO, Manuela Beatriz; SANTOS, Evanguelia Kotzias Atherino dos; COLLACO, Vânia Sorgatto. Parto normal e cesárea: representações sociais de mulheres que os vivenciaram. Rev. bras. enferm., Brasília , v. 67, n. 2, p. 282-289, Apr. 2014 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext…>. access on 08 Apr. 2021. https://doi.org/10.5935/0034-7167.20140038.